segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Vinte e três




A tarde estava cinza demais para se aventurar em uma caminhada, poderia chover a qualquer momento, mas ainda assim me arrisquei. Não havia tanto movimento na rua e dos poucos rostos que vi, nenhum deles me pareceu familiar. Nem mesmo o caminho me parecia familiar. Continuei andando distraída com o barulho dos meus próprios passos e levei um susto quando senti meu celular vibrando no bolso da minha calça. Uma nova mensagem: "Essa é a última chance de ficarmos juntos. Se você também deseja, responda essa mensagem com o número 23. Por favor, aceite. Que se dane o resto do mundo!" Fiquei olhando para meu telefone sem acreditar. Há quase um ano não trocamos uma palavra sequer, e você acha que as coisas podem ser resolvidas desse jeito? E que droga é essa de número 23? Não poderia ser algo mais simples, como "sim"?  Estava decidida a ignorar sua mensagem, consegui por dois segundos, e quando me dei conta já havia escrito vinte e três em algarismos, por extenso e até em numeração romana. Apertei enviar. Pronto. Então, comecei a imaginar você aparecendo ali e me levando para um piquenique a beira do lago, quando meu celular vibrou novamente e no visor apareceu a seguinte frase: Falha ao enviar mensagem. Tentei de novo, de novo e cada vez que aquelas palavras apareciam na tela, o meu desespero aumentava. Poderia mudar o rumo da minha vida com apenas um torpedo e aquele maldito celular não me ajudava. Continuei andando, já sem saber onde eu estava, até que meu celular vibrou de novo, dessa vez era meu despertador me chamando para viver mais um lindo dia.
Abri os olhos, feliz por estar segura em minha cama, abraçada ao meu coração de pelúcia, aquele que você me deu quatro anos atrás, já surrado por suportar o peso que me tornei longe de você. E em meu peito, o coração que eu te dei, permanecia acelerado e animado por ter recebido um falso torpedo seu. Lembrei-me do sonho e caí em uma gargalhada gostosa, coisa que raramente tenho feito e, como se aquilo ainda fosse um desafio, peguei meu celular, escrevi uma mensagem apenas com o numero vinte e três e lhe enviei. Mensagem enviada com sucesso. Pronto, está aí sua resposta. Mas, vinte e três é pouco diante de tudo que quero falar. Esse sonho maluco me fez perceber que ainda sinto sua falta, é por isso que agora lhe escrevo.
O que posso fazer se minhas palavras insistem em querer conversar somente contigo? Elas têm percorrido o caminho do teu coração antes mesmo de nos conhecermos. Lembro-me quando o vi pela primeira vez, você ainda bem moço, grande demais para bicicleta que montava, pedalava distraído, como se sua única preocupação fosse existir. Quando nossos olhares se cruzaram, não houve a sensação de primeiro encontro, houve um reconhecimento. Era você. Naquele momento descobri que o amor que eu carregava para todos os lados dentro dos meus livros, estava passeando por aí em cima de uma bicicleta. Quando cheguei em casa, escrevi um texto sobre ter olhado nos olhos do amor. 
Eu sabia que o amor tinha passado por mim, mas não sabia quando o veria novamente, talvez nunca. Eu era muito nova e encontrar alguém ainda não estava em minha lista de prioridades, talvez por isso essa incerteza não se tornou uma preocupação. Alguns anos se passaram e, no tempo certo, vi o amor novamente através dos mesmos olhos, dos teus olhos. Todo amor tem seu destino, não importa por onde ele ande, se ele te achou uma vez, ele sempre encontrará o caminho de volta. Foi isso que aconteceu com a gente, mesmo sem saber meu nome, meu endereço, você bateu na porta do meu coração mais uma vez. E dessa vez, permiti que entrasse. Assim, minhas palavras passaram a ter acesso direto a você. Era seu aniversário e eu lhe escrevia. Era dia dos namorados e eu lhe escrevia. Era Dia da Árvore e eu queria escrever para você. Porque te escrever sempre foi o que fiz de melhor.
Amor, um sentimento divino habitando em seres tão falhos. Descobrimos primeiro o amor para depois desvendar os mistérios um do outro. Nossas diferenças, até então encobertas pelo sentimento vieram à tona.  Ao teu lado descobri minhas palavras mais insensíveis e descabidas. Elas saiam atrevidas ao seu encontro e voltavam muitas vezes sem resposta. Até que um dia aconteceu. Outra despedida. Foi mais difícil porque eu não apenas vi o amor, eu o toquei, o senti. Tenho o meu próprio romance agora. 
A incerteza dessa vez me preocupa, me perturba. Pode ser que você retorne daqui a alguns anos, como foi da primeira vez. Mas tenho medo de que, de todas as medidas de tempo, você escolha a eternidade. Todo amor tem sua casa e o meu escolheu morar em você. Dizem por aí que os olhos são a janela da alma, foi por isso que através teus olhos eu pude ver meu amor ai dentro. O que eu faço agora que sei seu nome, endereço, mas não posso ir até você? O que eu faço com esses rascunhos em minha gaveta das últimas cartas que fiz?
Depois de tudo, eu até aceito o fato de voltar a ser aquela menina que não acreditava no amor fora das páginas de um livro, enquanto você enfeita o mundo em cima de sua velha bicicleta. Mas, parar de lhe escrever? Isso, eu não posso. E se um dia essas palavras chegarem até você, saiba que essa é a ultima chance de ficarmos juntos. Se você também deseja, responda essa carta com o número 23. Por favor, aceite. Que se dane o resto do mundo! 
Não meu amor, isso não é um sonho.

domingo, 13 de maio de 2012

Acabou


Acabou. Nunca entendemos o significado dessa palavra. Já perdi a conta de quantas vezes disse adeus e saí por aquela porta, mas em todas elas retornei pedindo que me amasse mais um pouquinho. E em outras tantas quem partiu foi você, mas sempre voltou para conferir o tamanho do meu sorriso e quando era largo demais o ciúme o fazia ficar por mais tempo.
Há anos estamos nos acabando por não enxergar que acabou. Não sei seus motivos, mas toda minha volta foi por não aceitar que sua vida poderia continuar bem sem mim. Antes desejar sua felicidade doía ao ponto de me fazer duvidar da minha sinceridade. Mas hoje acordei te amando tanto, mas tanto, que só quero que seja feliz.
Você foi o ultimo a dizer adeus, e a espera já virou um costume, mas dessa vez enquanto aguardava fiquei imaginado seu riso. Sei de cor sua gargalhada silenciosa sempre acompanhada de lagrimas quando está diante de algo muito engraçado, também conheço aquele riso sem graça de quem não sabe o que dizer quando o assunto é desconfortável. Imagino você rindo e independente de onde eu esteja acabo imitando o som que você faz. Foi assim, lembrando de você feliz, que me dei conta de que não importa o motivo de seu sorriso, se for sincero, suplico, não volte! 
Entenda, acabou. Não o nosso amor, mas o tempo de ficarmos juntos. Esse tempo só existe até ali, naquela porta, mas nosso amor nos segue quando fugimos por ela. É por isso que sempre voltamos, porque lá fora não existe mais eu e você juntos, embora cada um carregue o nós que construímos aqui dentro. Se voltar, logo se cansará de novo, porque o passado não muda. Hoje só existo para matar a saudade que você sente e não para fazê-lo feliz.
Dessa vez será diferente, não ficarei na expectativa do retorno, pois também estou saindo por aquela porta. Sei que virá à minha procura e não estarei mais aqui. Quando voltar, terá que contentar-se com nossas fotos, nossos cheiros, nossas musicas, porque essas coisas que foram feitas para ficar no passado, estas sim, podem ser visitas quando a saudade apertar, mas a gente não pode viver aqui para sempre. Também sei que partindo, talvez jamais o reencontre. Mas continue rindo, ria o mais alto que puder e quando meu coração ouvir tenho certeza que me alegrei contigo. Quero muito que seja feliz, meu amor por você quer isto, e esse amor nunca, nunca acaba.




quarta-feira, 21 de março de 2012

Disfarce




Decidi por um tempo não fazer barulho. Sei que o grito da alma é estridente, mas não há, no mundo inteiro, sorriso que não o abafe.  Foi difícil ensinar as lagrimas o caminho da garganta e não dos olhos. Engolir choro dói, mas agora, com goela calejada, já nem sinto.  Mas, todo esse esforço não passa de um disfarce, é a capa que visto todos os dias, é a mentira que conto quando perguntam se já me esqueci de você.
A ultima vez que nos vimos não consegui segurar o riso ao notar que vestíamos a mesma fantasia, usávamos os mesmos truques de uma falsa indiferença e sorrisos que forjavam autocontrole. Mas, bastou olhos nos olhos, e de repente ficamos desmascarados, descobertos de todo disfarce, em completa exposição de sentimentos. Mais uma vez o amor falou mais alto e nos colocou no mesmo ritmo. Frágeis e entregues, sozinhos e, enfim, sinceros. Era nosso baile sem mascaras, onde vestir de nós mesmos era a única roupa apropriada para ocasião e as palavras de amor guardadas eram musicas para nossos ouvidos. Sugamos o máximo de cada minuto, mas antes que a meia-noite roubasse o encanto do nosso reencontro, fugimos desesperadamente, sem deixar os sapatos para trás. Afinal, já deixamos coisas demais na vida um do outro. Agora, somos dois fugitivos, fantasiados, fingindo que nada aconteceu. 
Nossa recaída quebrou meu silencio. Depois de tanto tempo me escondendo das palavras fui achada, sei que agora estou sendo lida por elas e tenho medo do que podem falar por mim. Peço encarecidamente que não estraguem meu disfarce. Se elas disserem que ainda o amo, eu nego. Se as palavras contarem que ainda gasto meu tempo tentando entender como nosso relacionamento se desfez, buscando o exato momento em que deixamos de ser tudo um para o outro, eu juro que as faço parecerem insanas e descabidas. Suplico às palavras que me ajudem nessa farsa de não me importar com sua falta, mesmo que exista dor debaixo desse sorriso. Que a solidão não faça parte dos meus textos, que a tristeza não ganhe letras e linhas.
Talvez com tempo venha o desapego, e tudo que vivemos vire apenas boas lembranças, sem saudade. Ou talvez jamais abramos mão dessa capa, dessa mentira. Quem sabe continuaremos escondendo o mesmo segredo por longos anos, sempre arrumando uma forma de encobrir um amor que ainda incomoda, que ainda pede mais um pouquinho de presença. Assim, seguiremos tentando caber em outros abraços, nos enfiando em corações tão cheios quanto os nossos, mas desejando secretamente as noites mágicas dos bailes sem mascaras.