segunda-feira, 16 de maio de 2011

Visita

Meu amor, não sei se deveria te incomodar com essa notícia, mas hoje nossa casa recebeu visita. Não se via ninguém por aqui desde que você partiu e deixou esse coração todo só pra mim. Alguns até tocaram campainha, jogaram pedrinhas na janela, mas eu tinha um medo terrível de me aproximar da porta, pois seu cheiro, que ainda está impregnado em cada canto, poderia sair por alguma fresta.
Há semanas uma pessoa está rondando nosso jardim, já não me importava com o que acontecia lá fora, pois era você que cuidava daquele cantinho, por isso, nem me incomodei com a presença desse estranho que chegou sorrateiramente, antes só observava, depois começou cavar, limpar, e eu só o vigiando pela janela, espionando cada passo. Ele parece ser um bom moço, plantou a flor do sorriso, da descontração, do companheirismo, flores que morreram aos poucos desde que se foi. Desenterrou coisas que você escondia de mim no quintal e isso me chateou um pouco. Olhando daqui consigo ver bem viçosa a plantação da confiança, por essa ele parece ter um cuidado especial, não passa um dia sem regá-la, tem várias outras, tem carinho, respeito, diversão, até a tranquilidade, que você dizia ser impossível nascer em nosso solo, esta brotando agora. 
Foram dias de dedicação, debaixo de sol, de chuva, sempre batendo na porta, com esperança de que eu abrisse, mas me fazia de surda, desinteressada, como se todo aquele trabalho não tivesse importância alguma pra mim, escondendo minha admiração e felicidade por essa casa abandonada ter atraído a atenção de alguém. Logo, sem retorno, sem uma demonstração de gratidão ou uma pontinha de interesse da minha parte, ele foi cuidar do jardim da vizinha, então, me peguei enciumada, abandonada por uma pessoa que nunca aceitei em minha vida. Quis bisbilhotar, escancarei a janela, mas de lá minha visão ficava pela metade, então,  abri a porta, saí por alguns minutos, mas vê-lo cultivar em outro coração não me fez bem, por isso voltei rapidamente para meus aposentos, acabei deixando a porta meio aberta e isso lhe pareceu convidativo, e quando percebi, aquele misterioso jardineiro já estava aqui dentro. 
Senti vergonha da poeira que nunca tirei, do seu lado da cama que nunca arrumei, as manias que cultivamos ainda estão dentro de uma caixa junto do seu sorriso atraente, do seu olhar sincero, de seus beijos. Nossas musicas ainda  tocam no aparelho de som do quarto e sempre me pego cantarolando sem querer. Na televisão passa o vídeo de nossos melhores momentos, quando éramos parceiros, cúmplices, nele está nossas melhores risadas, nossos segredos. Os sonhos ainda estão dentro do guarda-roupa, há saudade espalhada por toda casa e boas lembranças penduradas nas paredes que continuam pintadas de amor, pois assim juramos que seria até o fim. Nos fundos tem um saco de lixo com promessas quebradas, mentiras gastas, algumas verdades que deixamos de usar ao longo do tempo e muitas discussões que nunca serviram para nada. No forno da cozinha ainda estou assando a magoa que ficou e atrás da porta está a vassoura do esquecimento pronta para uso, esperando apenas minha coragem. 
Sabe meu querido, esse forasteiro que plantou em mim a vontadade de viver novamente quer me ajudar a colocar as coisas em ordem, pra me agradar antes de sair me deu uma caixinha cheia de borboletas e por um descuido meu, elas bateram asas e saíram pela janela, tenho a sensação de que foram parar bem no meio da minha barriga, pois a cada vez que me lembro dele, elas se agitam e sinto um ventinho frio, o mesmo que senti quando vi você pela primeira vez.
Amor,  só quero comunicar que aquela chave escrita eu te amo que te dei já não abre mais nossa porta, ainda não tinha trocado a fechadura, pois aguardava ansiosamente que voltasse. Mas enquanto pensava estar invisível, imperceptível, fui encontrada por esse homem cativante, que roubou minha atenção, e agora as janelas e portas desse coração abandonado estão abertas pra ele entrar. Pela primeira vez, estou desejando um novo inquilino para me fazer companhia. Ele disse que volta amanhã, e eu estou esperando.